sábado, 7 de novembro de 2015

Uma questão polêmica e discutível – Há imputabilidade no acidente aéreo?

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   No ano de 2008 ao participar de um Seminário de Segurança de Voo na Aviação Civil, em que o foco principal era à Motivação na Aviação Civil e, uma das palestras abordadas no evento foi sobre a imputabilidade no acidente aéreo. Dois advogados convidados ambos especialistas no Direito Aeroespacial  tiveram a oportunidade de comentar sobre a imputabilidade do acidente aéreo, em que um defendia a imputabilidade e o outro, a não imputabilidade.
  Ao assistir a exposição dos argumentos de cada advogado, me surpreendi pela defesa da não imputabilidade. No meu ponto de vista, como cidadão e detentor de uma habilitação técnica de piloto de avião, me atrevo a dizer que  o acidente aéreo é imputável, até  porque um acidente aéreo não acontece por acaso, algum fator ou fatores favoreceram ao  desencadeamento do fato, uma sequência de erros que ocorrem por imperícia, imprudência ou negligencia por parte dos agentes que formam o sistema.
  No ano anterior ocorreu um acidente aéreo de grande repercussão, com um Airbus da TAM, na minha análise simplória, vários fatores favoreceram ao desencadeamento do acidente que, previamente corrigidos poderiam  evitar que o fato se consumasse, podemos citar o caso da liberação da pista que estava inacabada, o grooving na pista não tinha sido realizado, a questão do reverso pinado e entre outros fatos notórios, como período de estacão alta, a pressão das companhias para liberar a pista, são fatos que devem ser considerados até porque vidas estão sendo colocadas em risco e, enquanto não houver um comprometimento sério com a segurança do voo, no final, o pesar para os parentes das vítimas que contabilizam seus mortos e correm atrás da justiça para que penalizem os verdadeiros culpados, porque a culpa sempre recorre para quem não pode se defender, os pilotos.

  Vou repassar uma matéria  de um especialista em Direito Aeronáutico Professor Calazans com relação ao supra acidente onde o mesmo faz todo relato sobre a “Criminalização no voo 3054” no seu site.

CRIMINALIZAÇÃO NA AVIAÇÃO
 CRIMINALIZAÇÃO NO VOO 3054 

No dia 11 de agosto de 2011 o Ministério Público Federal brasileiro ofereceu denúncia contra três profissionais envolvidos no acidente com o Voo 3054 ocorrido em Congonhas São Paulo1 . DENÚNCIA2 – CONCEITO É uma peça acusatória que inicia a ação penal, consistente em uma exposição por escrito dos fatos que constituem, em tese, ilícito penal, com a manifestação expressa da vontade de que se aplique a lei penal a quem é presumivelmente seu autor. O interessante da peça acusatória é a indicação de quem, em tese, cometeu o crime e os fatos dos quais os denunciados terão que se defender. No caso em questão três profissionais ligados à atividade aérea foram denunciados e terão que responder pelo artigo 261 do Código Penal Brasileiro por terem exposto a aviação em risco. Artigo 261 do Código Penal Brasileiro: Expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea. Na exposição dos fatos e indicação do ilícito penal, o Ministério Público Federal imputou aos denunciados o crime acima entendendo que expuseram a perigo o Voo 3054, pois, mesmo tendo conhecimento das péssimas condições de atrito e frenagem da pista principal do aeroporto de Congonhas, em especial nos dias de chuva, permitiram que a aeronave, mesmo apresentando falha mecânica em um dos motores, viesse a pousar em pista escorregadia. 

VOO 3054 – O ACIDENTE 

No dia 17 de julho 2007 por volta das 18h48min uma aeronave Airbus A-320, operada por uma empresa aérea brasileira de voo doméstico, voo 3054, procedente de Porto Alegre, após ter pousado na pista principal, cabeceira 35L (35 esquerda), percorreu toda a sua extensão na velocidade aproximada de 170 km/h, derivou à esquerda, ultrapassou o canteiro e, após ter sobrevoado a avenida Washington Luís, chocou-se contra um prédio, seguindo-se incêndio de grandes proporções que destruiu completamente a aeronave e a edificação. Desse fato resultou a morte de 187 pessoas que estavam a bordo da aeronave e outras 12 que estavam no edifício. O acidente ocorreu 18 dias após a inauguração parcial da obra de engenharia destinada ao recapeamento da pista principal do aeroporto de CONGONHAS. A aeronave apresentava uma falha mecânica no reversor do motor direito. Reversor é um dispositivo que tem a função de ajudar na frenagem da aeronave durante o pouso. Por conta disto a empresa resolveu travar o reversor. Esta operação resultou numa mudança de operação que foi implementada em janeiro de 2007. 

PONTOS FUNDAMENTAIS DA DENÚNCIA

  • Pista escorregadia. 
  • Aeronave com falha mecânica. 
  • Falha da empresa aérea em comunicar os pilotos o novo procedimento em relação ao reversor inoperante e falha na fiscalização da execução deste procedimento.


 PROFISSIONAIS ACUSADOS

  •  DIRETOR DE SEGURANÇA DO VOO DA EMPRESA AÉREA DO VOO 3054 
  •  VICE-PRESIDENTE DE OPERAÇÕES DA EMPRESA AÉREA DO VOO 3054
  •  DIRETORA DA AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL (ANAC) ACUSAÇÃO COMUM AO DIRETOR DE SEGURANÇA E AO VICEPRESIDENTE DE OPERAÇÕES


 Na opinião do Ministério Público Federal os profissionais acima deverão responder penalmente, pois deveriam ter direcionado a aeronave para outro aeroporto. Ou seja, pelas condições da pista escorregadia e pela anormalidade da aeronave no que se refere à inoperância do reversor do motor direito, eles não deveriam ter permitido que a aeronave progredisse para o aeroporto de Congonhas naquelas periclitantes condições.Outra acusação imputada a eles está atrelada ao fato de não ter sido divulgado aos pilotos da empresa aérea que o procedimento de operação com o reversor desativado (pinado) da aeronave Airbus A-320, havia sido mudado. Segundo o Ministério Público, estes profissionais não informaram de forma clara e eficiente não garantindo que os pilotos estivessem devidamente esclarecidos a respeito da operação desta anormalidade. 

ACUSAÇÃO EXCLUSIVA AO DIRETOR DE SEGURANÇA DE VOO 

Além das acusações listadas acima, o diretor de segurança foi denunciado pela não fiscalização do comportamento de suas tripulações, deixando de acompanhar e verificar eventuais tendências adversas, deixando de observar o Operator´s Flight Safety Handbook, o manual de segurança de operações da própria empresa aérea que determina a identificação, análise, avaliação e controle dos riscos, na obtenção de um padrão mínimo de segurança. 

NOTA 1: Alerta aos aeronautas! Sobretudo àqueles ligados à operação das aeronaves da empresa. Não basta apenas a implantação de uma maneira e modo de agir. É mandatório que a operação da tripulação seja fiscalizada no sentido de assegurar que os pilotos estejam agindo de acordo com o estipulado. Se for comprovado que as tripulações não seguem procedimentos previstos, esta negligência não limitará a estes profissionais ensejando responsabilidade, também, dos diretores e gerentes. 

NOTA 2: Um ponto que será bem debatido neste processo está relacionado diretamente ao modo como a empresa se comunicava com os aeronautas, principalmente sobre implementação e mudanças de procedimentos. Na visão do Ministério Público Federal os pilotos não estavam devidamente informados sobre o novo procedimento relacionado à operação da aeronave com o reversor inoperante. A mudança havia ocorrido em janeiro de 2007 e somente quando os pilotos voavam a aeronave, no momento da consulta do manual da operação da aeronave que ocorria, somente, no momento do voo, é que os pilotos tinham ciência do novo procedimento. O procedimento e a tempestividade deste procedimento é um dos pontos relevantes do processo penal. Aqui cabe uma ressalva interessante que é um alerta aos aeronavegantes, sobretudo àqueles que ocupam cargos de decisão. Cabe a estes profissionais uma medida de divulgação que assegure que todos os interessados tenham informações de forma precisa. O meio e o modo que essas informações são transmitidas aos tripulantes são essenciais para que venham a se eximir de responsabilidade em decorrência de acidente aeronáutico. Isto não é novo na atividade aérea. No voo VRG 254 que resultou na morte de doze pessoas ocorrido em 1989 quando uma aeronave caiu por falta de combustível na selva brasileira. O piloto ao programar a rota de voo antes da decolagem inseriu um rumo que não condizia com o rumo da rota a ser voada. A empresa aérea, responsável por aquele voo, havia mudado o procedimento de inserção de rumo no plano de voo. O rumo que era normalmente expresso com três algarismos passou a ser programado com quatro, e o piloto, ao invés de inserir o rumo magnético 0270, inseriu equivocadamente o rumo 2700.
Deixando de desprezar o último algarismo, conforme novo procedimento, a tripulação voou no rumo 270 ao invés do rumo 027 previsto na rota compreendida entre Marabá e Belém. Este erro inicial cominou com outros erros de navegação resultando na desorientação espacial dos pilotos e o pouso forçado do Boeing 737. A mudança do plano de voo implementado na empresa, o modo de divulgação aos pilotos, e o treinamento dado aos pilotos em razão desta mudança foi motivo de calorosos debates no processo penal sendo discutido se a responsabilidade pelo acidente era dos pilotos que não estavam familiarizados com o novo plano ou se da empresa que não divulgou de modo eficiente e eficaz o novo plano de voo, sendo cogitada a responsabilidade do diretor de operações. Não será demasiado ressaltar que os aeronautas que ocupam cargos de gerencia e diretoria devem estar cientes de suas responsabilidades quanto aos procedimentos bem como de sua divulgação e treinamento a todos os tripulantes. A negligência neste quesito trará para esses profissionais responsabilidade pelo resultado do não cumprimento do procedimento. Em relação a esse assunto cabe também ressaltar que as empresas devem se valer de um meio de comunicação que garanta a certeza da transmissão, recebimento e também do entendimento do procedimento por parte da tripulação. Só a divulgação, ou somente a ciência do procedimento não são, por si só, garantia de isenção de responsabilidade. Além de tudo isto deve certificar-se de que o procedimento foi devidamente entendido e será executado conforme o previsto. Valendo-se dos requisitos de uma boa comunicação esta deverá ser transmitida, recebida e entendida. O meio de divulgação e a maneira que os pilotos acusarão o recebimento e entendimento torna-se imprescindível para a caracterização da culpa ou isenção desta. Na peça acusatória foi mencionado o meio de comunicação entre a empresa e os tripulantes ressaltando a ideia que expusemos. Trecho retirado da denúncia:

 ... a comunicação do “safety” da empresa com os tripulantes eram feitas apenas através de “e-mail” corporativo, sem que houvesse um instrumento de controle que permitisse atestar que as informações transmitidas eram efetivamente lidas, prescindindo de um importante elemento da comunicação.
 Eis aí um grande desafio para que as empresas cumpram o objetivo de, bem, se comunicar com seus 2.000, 3.000 ou mais tripulantes. 

ACUSAÇÃO CONTRA A DIRETORA DA AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL 

Em razão da liberação da pista principal do aeroporto de CONGONHAS, em 29 de junho de 2007, sem a realização do serviço de “grooving” e sem realizar formalmente uma inspeção, após o término das obras de reforma, com o fim de atestar sua condição operacional em conformidade com os padrões de segurança aeronáutica, bem como porque, mesmo ciente das péssimas condições de frenagem na pista principal do aeroporto de CONGONHAS, notadamente em dias de chuvas.Na visão do Ministério Público a diretora da ANAC deve responder penalmente por este acidente por dois motivos principais: 

  • Por ter liberado a pista sem a realização do grooving; 
  • Não ter realizado uma inspeção após a reforma da pista com a finalidade de atestar as reais condições da pista.


 A pista havia passado por uma reforma que havia se encerrado dias antes do acidente e, segundo o Ministério Público, foi liberada sem a conclusão efetiva do grooving e sem a análise da textura da pista. Segundo consta na peça acusatória, o pavimento da pista principal, tratado com “grooving”, ou seja, a técnica destinada a facilitar o escoamento da água, evitando a formação de uma película que aumentaria o risco de hidroplanagem, consistente em cortar ou formar ranhuras transversais em pavimento já existente ou novo com profundidade e largura aproximadas de seis milímetros, foi substituído por um pavimento rugoso e que, este pavimento não conservou suas qualidades iniciais, voltando a apresentar problemas de atrito. Acrescenta que foram verificados problemas de declividade que continuavam impedindo um escoamento d'água mais eficiente durante as chuvas mais fortes. 

CONDUTA CRIMINOSA DOS ACUSADOS

 Esses profissionais foram acusados, segundo o Ministério Público federal, pois expuseram a perigo aeronaves alheias mediante culpa, pois, mesmo tendo conhecimento das péssimas condições de atrito e frenagem da pista principal do aeroporto de CONGONHAS, em especial nos dias de chuva, tornando-se incursos no artigo 261, parágrafos primeiro e terceiro c.c. o artigo 263, todos do Código Penal. Devido à combinação do artigo 261 e seguintes, a pena prevista neste caso é a mesma do homicídio culposo aumentada de um terço. Desta forma estarão concorrendo a pena de detenção de um a três anos mais o aumento de um terço. Mesmo que haja condenação, uma vez que foram denunciados na modalidade culposa, é grande a possibilidade que sejam agraciados com pena penas restritivas de direitos tais como prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas. 

Aprecie, comente, critique e, principalmente, divulgue. 
Sempre um prazer tê-los a bordo.

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