Leia mais... |
No ano de 2008 ao participar de
um Seminário de Segurança de Voo na Aviação Civil, em que o foco principal era à
Motivação na Aviação Civil e, uma das palestras abordadas no evento foi sobre a
imputabilidade no acidente aéreo. Dois advogados convidados ambos especialistas
no Direito Aeroespacial tiveram a
oportunidade de comentar sobre a imputabilidade do acidente aéreo, em que um
defendia a imputabilidade e o outro, a não imputabilidade.
No ano anterior ocorreu um
acidente aéreo de grande repercussão, com um Airbus da TAM, na minha análise
simplória, vários fatores favoreceram ao desencadeamento do acidente que,
previamente corrigidos poderiam evitar
que o fato se consumasse, podemos citar o caso da liberação da pista que estava
inacabada, o grooving na pista não tinha sido realizado, a questão do reverso
pinado e entre outros fatos notórios, como período de estacão alta, a pressão
das companhias para liberar a pista, são fatos que devem ser considerados até
porque vidas estão sendo colocadas em risco e, enquanto não houver um
comprometimento sério com a segurança do voo, no final, o pesar para os
parentes das vítimas que contabilizam seus mortos e correm atrás da justiça
para que penalizem os verdadeiros culpados, porque a culpa sempre recorre para
quem não pode se defender, os pilotos.
Vou repassar uma matéria de um especialista em Direito Aeronáutico
Professor Calazans com relação ao supra acidente onde o mesmo faz todo relato
sobre a “Criminalização no voo 3054” no seu site.
CRIMINALIZAÇÃO NA AVIAÇÃO
CRIMINALIZAÇÃO NO VOO 3054
No dia 11 de agosto de 2011 o Ministério Público Federal brasileiro ofereceu denúncia
contra três profissionais envolvidos no acidente com o Voo 3054 ocorrido em Congonhas
São Paulo1
.
DENÚNCIA2
– CONCEITO
É uma peça acusatória que inicia a ação penal, consistente em uma exposição por escrito
dos fatos que constituem, em tese, ilícito penal, com a manifestação expressa da vontade de
que se aplique a lei penal a quem é presumivelmente seu autor.
O interessante da peça acusatória é a indicação de quem, em tese, cometeu o crime e os
fatos dos quais os denunciados terão que se defender. No caso em questão três
profissionais ligados à atividade aérea foram denunciados e terão que responder pelo artigo
261 do Código Penal Brasileiro por terem exposto a aviação em risco.
Artigo 261 do Código Penal Brasileiro:
Expor a perigo embarcação ou aeronave, própria ou alheia, ou praticar qualquer ato tendente a
impedir ou dificultar navegação marítima, fluvial ou aérea.
Na exposição dos fatos e indicação do ilícito penal, o Ministério Público Federal
imputou aos denunciados o crime acima entendendo que expuseram a perigo o Voo 3054,
pois, mesmo tendo conhecimento das péssimas condições de atrito e frenagem da pista
principal do aeroporto de Congonhas, em especial nos dias de chuva, permitiram que a
aeronave, mesmo apresentando falha mecânica em um dos motores, viesse a pousar em
pista escorregadia.
VOO 3054 – O ACIDENTE
No dia 17 de julho 2007 por volta das 18h48min uma aeronave Airbus A-320, operada por
uma empresa aérea brasileira de voo doméstico, voo 3054, procedente de Porto Alegre,
após ter pousado na pista principal, cabeceira 35L (35 esquerda), percorreu toda a sua
extensão na velocidade aproximada de 170 km/h, derivou à esquerda, ultrapassou o
canteiro e, após ter sobrevoado a avenida Washington Luís, chocou-se contra um prédio,
seguindo-se incêndio de grandes proporções que destruiu completamente a aeronave e a
edificação.
Desse fato resultou a morte de 187 pessoas que estavam a bordo da aeronave e outras 12
que estavam no edifício.
O acidente ocorreu 18 dias após a inauguração parcial da obra de engenharia destinada ao
recapeamento da pista principal do aeroporto de CONGONHAS.
A aeronave apresentava uma falha mecânica no reversor do motor direito. Reversor é um
dispositivo que tem a função de ajudar na frenagem da aeronave durante o pouso. Por
conta disto a empresa resolveu travar o reversor. Esta operação resultou numa mudança de
operação que foi implementada em janeiro de 2007.
PONTOS FUNDAMENTAIS DA DENÚNCIA
- Pista escorregadia.
- Aeronave com falha mecânica.
- Falha da empresa aérea em comunicar os pilotos o novo procedimento em relação ao reversor inoperante e falha na fiscalização da execução deste procedimento.
PROFISSIONAIS ACUSADOS
- DIRETOR DE SEGURANÇA DO VOO DA EMPRESA AÉREA DO VOO 3054
- VICE-PRESIDENTE DE OPERAÇÕES DA EMPRESA AÉREA DO VOO 3054
- DIRETORA DA AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL (ANAC) ACUSAÇÃO COMUM AO DIRETOR DE SEGURANÇA E AO VICEPRESIDENTE DE OPERAÇÕES
Na opinião do Ministério Público Federal os profissionais acima deverão responder
penalmente, pois deveriam ter direcionado a aeronave para outro aeroporto. Ou seja, pelas
condições da pista escorregadia e pela anormalidade da aeronave no que se refere à
inoperância do reversor do motor direito, eles não deveriam ter permitido que a aeronave
progredisse para o aeroporto de Congonhas naquelas periclitantes condições.Outra acusação imputada a eles está atrelada ao fato de não ter sido divulgado aos pilotos
da empresa aérea que o procedimento de operação com o reversor desativado (pinado) da
aeronave Airbus A-320, havia sido mudado. Segundo o Ministério Público, estes
profissionais não informaram de forma clara e eficiente não garantindo que os pilotos
estivessem devidamente esclarecidos a respeito da operação desta anormalidade.
ACUSAÇÃO EXCLUSIVA AO DIRETOR DE SEGURANÇA DE VOO
Além das acusações listadas acima, o diretor de segurança foi denunciado pela não
fiscalização do comportamento de suas tripulações, deixando de acompanhar e verificar
eventuais tendências adversas, deixando de observar o Operator´s Flight Safety Handbook,
o manual de segurança de operações da própria empresa aérea que determina a
identificação, análise, avaliação e controle dos riscos, na obtenção de um padrão mínimo de
segurança.
NOTA 1: Alerta aos aeronautas! Sobretudo àqueles ligados à operação das aeronaves da
empresa. Não basta apenas a implantação de uma maneira e modo de agir. É mandatório
que a operação da tripulação seja fiscalizada no sentido de assegurar que os pilotos estejam
agindo de acordo com o estipulado. Se for comprovado que as tripulações não seguem
procedimentos previstos, esta negligência não limitará a estes profissionais ensejando
responsabilidade, também, dos diretores e gerentes.
NOTA 2: Um ponto que será bem debatido neste processo está relacionado diretamente
ao modo como a empresa se comunicava com os aeronautas, principalmente sobre
implementação e mudanças de procedimentos. Na visão do Ministério Público Federal os
pilotos não estavam devidamente informados sobre o novo procedimento relacionado à
operação da aeronave com o reversor inoperante. A mudança havia ocorrido em janeiro de
2007 e somente quando os pilotos voavam a aeronave, no momento da consulta do manual
da operação da aeronave que ocorria, somente, no momento do voo, é que os pilotos
tinham ciência do novo procedimento. O procedimento e a tempestividade deste
procedimento é um dos pontos relevantes do processo penal.
Aqui cabe uma ressalva interessante que é um alerta aos aeronavegantes, sobretudo àqueles
que ocupam cargos de decisão. Cabe a estes profissionais uma medida de divulgação que
assegure que todos os interessados tenham informações de forma precisa. O meio e o
modo que essas informações são transmitidas aos tripulantes são essenciais para que
venham a se eximir de responsabilidade em decorrência de acidente aeronáutico.
Isto não é novo na atividade aérea. No voo VRG 254 que resultou na morte de doze
pessoas ocorrido em 1989 quando uma aeronave caiu por falta de combustível na selva
brasileira. O piloto ao programar a rota de voo antes da decolagem inseriu um rumo que
não condizia com o rumo da rota a ser voada. A empresa aérea, responsável por aquele
voo, havia mudado o procedimento de inserção de rumo no plano de voo. O rumo que era
normalmente expresso com três algarismos passou a ser programado com quatro, e o
piloto, ao invés de inserir o rumo magnético 0270, inseriu equivocadamente o rumo 2700.
Deixando de desprezar o último algarismo, conforme novo procedimento, a tripulação
voou no rumo 270 ao invés do rumo 027 previsto na rota compreendida entre Marabá e
Belém. Este erro inicial cominou com outros erros de navegação resultando na
desorientação espacial dos pilotos e o pouso forçado do Boeing 737.
A mudança do plano de voo implementado na empresa, o modo de divulgação aos pilotos,
e o treinamento dado aos pilotos em razão desta mudança foi motivo de calorosos debates
no processo penal sendo discutido se a responsabilidade pelo acidente era dos pilotos que
não estavam familiarizados com o novo plano ou se da empresa que não divulgou de modo
eficiente e eficaz o novo plano de voo, sendo cogitada a responsabilidade do diretor de
operações.
Não será demasiado ressaltar que os aeronautas que ocupam cargos de gerencia e diretoria
devem estar cientes de suas responsabilidades quanto aos procedimentos bem como de sua
divulgação e treinamento a todos os tripulantes. A negligência neste quesito trará para esses
profissionais responsabilidade pelo resultado do não cumprimento do procedimento.
Em relação a esse assunto cabe também ressaltar que as empresas devem se valer de um
meio de comunicação que garanta a certeza da transmissão, recebimento e também do
entendimento do procedimento por parte da tripulação. Só a divulgação, ou somente a
ciência do procedimento não são, por si só, garantia de isenção de responsabilidade. Além
de tudo isto deve certificar-se de que o procedimento foi devidamente entendido e será
executado conforme o previsto. Valendo-se dos requisitos de uma boa comunicação esta
deverá ser transmitida, recebida e entendida. O meio de divulgação e a maneira que os
pilotos acusarão o recebimento e entendimento torna-se imprescindível para a
caracterização da culpa ou isenção desta.
Na peça acusatória foi mencionado o meio de comunicação entre a empresa e os
tripulantes ressaltando a ideia que expusemos. Trecho retirado da denúncia:
... a comunicação do “safety” da empresa com os tripulantes eram feitas apenas através de “e-mail”
corporativo, sem que houvesse um instrumento de controle que permitisse atestar que as informações
transmitidas eram efetivamente lidas, prescindindo de um importante elemento da
comunicação.
Eis aí um grande desafio para que as empresas cumpram o objetivo de, bem, se comunicar
com seus 2.000, 3.000 ou mais tripulantes.
ACUSAÇÃO CONTRA A DIRETORA DA AGÊNCIA NACIONAL DE
AVIAÇÃO CIVIL
Em razão da liberação da pista principal do aeroporto de CONGONHAS, em 29 de junho
de 2007, sem a realização do serviço de “grooving” e sem realizar formalmente uma
inspeção, após o término das obras de reforma, com o fim de atestar sua condição
operacional em conformidade com os padrões de segurança aeronáutica, bem como
porque, mesmo ciente das péssimas condições de frenagem na pista principal do aeroporto
de CONGONHAS, notadamente em dias de chuvas.Na visão do Ministério Público a diretora da ANAC deve responder penalmente por este
acidente por dois motivos principais:
- Por ter liberado a pista sem a realização do grooving;
- Não ter realizado uma inspeção após a reforma da pista com a finalidade de atestar as reais condições da pista.
A pista havia passado por uma reforma que havia se encerrado dias antes do acidente e,
segundo o Ministério Público, foi liberada sem a conclusão efetiva do grooving e sem a
análise da textura da pista.
Segundo consta na peça acusatória, o pavimento da pista principal, tratado com
“grooving”, ou seja, a técnica destinada a facilitar o escoamento da água, evitando a
formação de uma película que aumentaria o risco de hidroplanagem, consistente em cortar
ou formar ranhuras transversais em pavimento já existente ou novo com profundidade e
largura aproximadas de seis milímetros, foi substituído por um pavimento rugoso e que,
este pavimento não conservou suas qualidades iniciais, voltando a apresentar problemas de
atrito.
Acrescenta que foram verificados problemas de declividade que continuavam impedindo
um escoamento d'água mais eficiente durante as chuvas mais fortes.
CONDUTA CRIMINOSA DOS ACUSADOS
Esses profissionais foram acusados, segundo o Ministério Público federal, pois expuseram
a perigo aeronaves alheias mediante culpa, pois, mesmo tendo conhecimento das péssimas
condições de atrito e frenagem da pista principal do aeroporto de CONGONHAS, em
especial nos dias de chuva, tornando-se incursos no artigo 261, parágrafos primeiro e
terceiro c.c. o artigo 263, todos do Código Penal.
Devido à combinação do artigo 261 e seguintes, a pena prevista neste caso é a mesma do
homicídio culposo aumentada de um terço. Desta forma estarão concorrendo a pena de
detenção de um a três anos mais o aumento de um terço.
Mesmo que haja condenação, uma vez que foram denunciados na modalidade culposa, é
grande a possibilidade que sejam agraciados com pena penas restritivas de direitos tais
como prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas.
Aprecie, comente, critique e, principalmente, divulgue.
Sempre um prazer tê-los a bordo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário